Estados Papais

estado católico na Itália (756–1870)
(Redirecionado de Estados Pontifícios)



Os Estados Papais, Estados Pontifícios, Estados da Igreja ou Patrimônio de São Pedro[1] eram formados por um aglomerado de territórios, basicamente no centro da península Itálica, que se mantiveram como um estado independente entre os anos de 756 e 1870, sob a directa autoridade civil dos Papas, e cuja capital era Roma. A forma de Estado era a monarquia absolutista ( hierocracia ) de inspiração religiosa representada pelo Papa , que exercia a sua jurisdição com plenos poderes.

Stati della Chiesa
Estados da Igreja

Estado teocrático na Península Itálica


 

 

752 – 1870
 

Flag Brasão
Bandeira Brasão
Hino nacional
Gran marcia trionfale


Localização de Estados Papais ou Estados Pontifícios
Localização de Estados Papais ou Estados Pontifícios
A Europa em 1815, após as Guerras Napoleônicas, com os Estados Papais em verde
Continente Europa
Região Península Itálica
País Itália
Capital Roma
Língua oficial Latim, Italiano
Religião Católica
Governo Monarquia eletiva absoluta teocrática cristã
Papa
 • 752 Papa Estêvão II
 • 1846-1878 Papa Pio IX
História
 • 752 Fundação
 • ano de 781 Codificação
 • 15 de fevereiro de 1798 República Romana (1798)
 • 9 de fevereiro de 1849 República Romana (1849)
 • 20 de setembro de 1870 Tomada de Roma

Origem

editar

Desde que se instituiu a sede episcopal de Roma, os fiéis, e em maior medida os imperadores cristãos, foram fazendo doações à Igreja Católica Apostólica Romana de bens territoriais, alguns deles constituindo importantes extensões territoriais. Estas possessões, junto com bens imóveis, vieram a integrar o que se conheceu como "Património de São Pedro", e estiveram disseminadas por toda a península Itálica e mesmo fora dela.

A sua administração, embora não convertendo inicialmente os Papas em chefes de Estado, conferiu-lhes autênticas prerrogativas civis e políticas reconhecidas pela Pragmática Sanção de 554 promulgada pelo imperador Justiniano I (uma vez que, após a conquista de Belisário, Roma voltava a estar sob a soberania dos imperadores, na sequência do interregno hérulo e ostrogodo), entre outras a de possuir uma força militar que chegou a constituir um respeitável exército posto em acção em múltiplas ocasiões, sendo em algumas sob ordens do próprio pontífice.

Por outro lado, muitos dos Papas provinham das classes dominantes romanas e exerceram simultaneamente o cargo episcopal e o de mandatários civis de Roma. Tal foi o caso de Gregório I, o Magno (590 - 604), homem avezado no desempenho de funções políticas já que ostentara anteriormente o cargo de administrador da própria cidade (prefectus Urbis) e pertencia a uma família de patrícios romanos.

Mas não é senão no pontificado do Papa Estêvão II, por volta de 756, quando se originam os Estados da Igreja. A tutoria do Império Bizantino sobre Roma e sua sede pontifícia estava em declínio desde princípios do século VIII. O distanciamento em relação ao império do Oriente tornou-se cada vez mais patente e profundo, quase em autêntica ruptura, como quando o Papa Constantino I, enfrentando o imperador Filípico, ao que titulou de herege, chegou a dirigir as suas armas contra o exarca bizantino. Em tal clima de tensão, sendo de temer a ofensiva do lombardo Astolfo contra Roma após ter-se apoderado este de Ravena, o Papa Estêvão II acode em busca de socorro aos francos. O seu rei, Pepino, o Breve, concede-lhe auxílio. A intervenção dos francos apaziguou a Astolfo, a quem aceitou entregar Ravena à "República Romana". Mas, retirados aqueles, o rei lombardo não cumpriu o seu compromisso e, para além disso, sitiou Roma. Seguiu-se nova chamada do Papa ao recente protector franco e nova acção deste em seu auxilio. Submetidos, por fim, os lombardos com a intervenção de Pepino, este fez entrega ao Papa do antigo Exarcado de Ravena, do Ducado da Pentápole (bispados de Rimini, Pesaro, Fano, Senigália e Ancona) e da região de Roma, conferindo ao sumo pontífice o domínio temporal de um Estado que, com algumas variações geográficas, havia de perdurar durante mais de onze séculos, até 1870. Não obstante, numa tentativa de extrair maior proveito político, Estêvão II exibiu um documento apócrifo provavelmente falsificado pela própria Cúria Romana, e supostamente encontrado três anos antes, a que logo se chamaria Doação de Constantino. Segundo este protocolo Constantino I havia cedido ao Papa Silvestre I, para si e seus sucessores, não só o palácio de São João de Latrão, o que de fato fez, mas também a possessão de toda a península Itálica e a dignidade imperial. No entanto, Pepino, o Breve, não acreditou no documento.

O perigo lombardo não havia terminado definitivamente graças às acções militares de Pepino, o Breve. O rei Desidério invadiu os Estados Pontifícios. Adriano I, papa no ano 774, pediu de novo aos francos para que lhe dispensassem a sua protecção, e, como anos antes havia feito seu pai, era agora a Carlos Magno que competia ajudar a Santa Sé. O resultado foi a restituição dos bens da Igreja e a promessa, não cumprida, de anexação de outros territórios. Em todo o caso, a maior parte da Itália central ficou constituída num estado independente sob governo dos papas. Em agradecimento, o papa coroou Carlos Magno como imperador romano no ano 800.

O período medieval

editar

Desfeito o Império Carolíngio, o autoproclamado rei de Itália, Berengário II, ameaçou as possessões eclesiásticas. O Papa João XII pediu o amparo de Otão I, o Grande, e entrou triunfante em Roma. Ali, na Basílica de São Pedro, o papa restabeleceu a dignidade imperial, coroando Otão como imperador do Sacro Império Romano Germânico em 2 de Fevereiro de 962, enquanto Otão, por sua parte, ratificou a potestade da Igreja sobre os Estados Pontifícios mediante o Privilegium Othonis.

A Itália meridional nunca formou parte dos Estados Pontifícios, mas esteve sujeita a vassalagem destes durante o período de dominação normanda. Em 1059, mediante a concordata de Melfi, após o concílio celebrado nesta cidade, o Papa Nicolau II outorgava a Ricardo de Aversa a investidura do principado de Cápua, e a Roberto Guiscardo a do ducado de Apúlia e de Calábria, assim como, para o futuro, do senhorio da Sicília. Como contrapartida à unção papal com que se viram dignificados, comprometiam-se estes a prestar vassalagem ao Sumo Pontífice em todas as ocasiões. Roberto Guiscardo mostrou-se imparável em suas conquistas e, em poucos anos, ocupou toda a Sicília; tomando aos muçulmanos Palermo, Messina, Bari, Brindisi, Amalfi e Salerno. Quando, em 1080, o Papa Gregório VII precisou do auxílio militar do normando, outorgou-lhe o seu beneplácito apostólico às conquistas em troca de uma formal declaração de vassalagem para com a Santa Sé sobre todos os territórios ganhos.

Na época final de pontificado do Papa Inocêncio II, por volta de 1143, coincidindo com o movimento reivindicativo municipal que se estendia por todas as cidades de Itália, o senado romano toma o poder civil dos papas. Sucessor de Inocêncio, o Papa Lúcio II tentou restabelecer pelas armas a situação anterior e atacou o Capitólio à frente de um exército, mas o senado infringiu-lhe uma severa derrota. Arnaldo de Brescia colocou-se à frente da revolução popular e senatorial romana. Sob sua liderança pediu-se que o Papa depusesse todo o poder temporal, e que ele mesmo e o resto do clero entregassem as suas possessões territoriais. Roma afastou-se da obediência civil ao Papa e declarou-se como uma nova república.

Frederico Barbarossa devolveu ao Papa Adriano IV o governo dos Estados Pontifícios quando, desejando ser coroado imperador em Roma, entrou em 1155 na cidade com um forte exército e prendeu e executou Arnaldo de Brescia. Apesar disso, foi o próprio Frederico quem, por culpa de uma política expansionista que aspirava controlar toda a Itália, colocou anos depois os Papas em grave risco de perder as suas possessões.

O Papa Inocêncio III deu um impulso decisivo à consolidação e engrandecimento dos Estados Pontifícios. Submeteu definitivamente o município romano e privou de poderes o senado da cidade. Recuperou o pleno domínio daqueles territórios pertencentes ao património de São Pedro que o imperador havia entregado a mandatários germânicos, expulsando os usurpadores da zona da Romanha, da Marca de Ancona, do Ducado de Espoleto e das cidades de Assis e de Sora. Pela força das armas precedida da excomunhão eclesiástica tomou os territórios em litígio que haviam constituído as possessões da condessa Matilde da Toscana e que, presumivelmente, haviam sido legados como herança à Santa Sé, mas que permaneciam na posse de vassalos do imperador. Desta forma obteve o reconhecimento por parte das cidades da Toscânia da sua soberania, e com ele o norte de Itália livrava-se do domínio germânico e ficava sob a órbita da autoridade pontifícia. Adicionalmente, como consequência da cruzada levada a cabo contra os albigenses no Midi francês, havia logrado de Raimundo VI de Tolosa a concessão de sete castelos na região da Provença, património que se incorporou ao da Igreja e que, logo em 1274, seria trocado, mediante acordo entre o Papa Gregório X e o rei Filipe III de França, pelo Condado Venaissino, região que compreendia terras que se estendiam entre o Ródano, o rio Durance e o monte Ventor.

Os Estados Pontifícios voltaram a passar por um difícil momento durante o império de Frederico II da Germânia (1215-1251). Incorporadas no império foram a Lombardia e a Toscânia, depois da derrota da Liga Lombarda em 1239, Frederico propôs-se anexar igualmente o património de São Pedro para prosseguir o domínio de toda a Itália. Marchou sobre Roma, de onde se viu obrigado a fugir o Papa Gregório IX, percorreu desafiante e sem oposição toda a Itália, nomeou governador do território peninsular o seu filho Enzio e ele mesmo elevou-se a senhor dos Estados Pontifícios. Não foi senão no ano de 1253, dois anos depois da morte do imperador, que o Papa Inocêncio IV pôde regressar a Roma retornado do seu exílio em França e retomar o governo da cidade e do resto dos domínios eclesiásticos.

Os Estados Pontifícios não podiam alhear-se dos acontecimentos que se estavam a produzir na convulsa península Itálica de meados do século XIV. Sem contar com a desvinculação de alguns feudos tradicionais da corte romana, como a Sicília, em poder agora da Coroa de Aragão, o reino de Nápoles, sob autoridade da casa de Anjou, e o próprio estado pontifício estavam em desmembramento. Assim o mostravam casos como o de Giovanni di Vico, que se havia tornado em senhor de Viterbo depois de usurpar uma extensa zona territorial pertencente ao Papa; ou o da insubmissão em que se encontrava o Ducado de Espoleto; ou o da fáctica independência da marca de Ancona; ou o da privatização de Fermo levada a cabo por Gentile de Mogliano e a de Camerino por Ridolfo de Varano; ou o da aberta rebeldia dos Malatesta; ou o de Francesco degli Ordelaffi, que se havia apropriado de uma grande parte da Romanha; ou o de Montefeltro que era senhorio dos distritos de Urbino e Cagli; ou o da cidade de Senigália apartada da obediência papal; ou o de Bernardino e Guido de Polenta, que haviam tomado Ravena e Cervia, respectivamente; ou o de Giovanni e Riniero Manfredi que haviam feito o mesmo com Faenza; ou o de Giovanni d’Ollegio que mantinha a posse da cidade de Bolonha.

Era preciso uma actuação decidida e aplacante contra todos aqueles insurgentes se se quisesse reunificar o património de São Pedro. Aproveitando a presença em Avinhão do espanhol Gil Álvarez de Albornoz, arcebispo de Toledo e avezado militar, que havia participado com as hostes de Afonso XI de Castela na batalha do Salado e no cerco de Algeciras, o Papa Clemente VI eleva-o ao cardinalato e confia-lhe a missão de recrutar um exército. Dois anos depois (1353), entronizado já o Papa Inocêncio VI, levando uma bula com a qual se o nomeava legado papal plenipotenciário para os Estados Pontifícios, aplicou-se Gil de Albornoz na missão encomendada, conseguindo militarmente todos os seus objetivos. Recuperou os territórios que tinham sido usurpados e submeteu os altivos cabecilhas da insubordinação italiana; os Estados da Igreja voltavam, agrupados, à obediência temporal do Papa.

A época do Renascimento

editar

No período renascentista os Estados Pontifícios ganharam relevo. Isto porque Roma havia-se tornado nesta época novamente capital da Cristandade, após dura disputa com França sobre quem sucederia ao trono papal e onde se situaria a capital, se em França ou em Roma.

O único estado que sobreviveu até aos dias de hoje foi o Estado do Vaticano que se mantém ainda estado papal.

Movimentos revolucionários

editar

Nacionalismo italiano

editar

Os ares revolucionários que sopravam com força por toda a Itália originaram correntes impulsoras da unidade nacional. O rei sardo-piemontês Carlos Alberto de Saboia assumiu as iniciativas em prol de tal unidade e declarou a guerra à Áustria. O Papa Pio IX, que havia sido entronizado em 1846, não quis unir-se à causa, atitude que não lhe perdoou o povo romano. Estalada a rebelião, Pio IX teve que fugir de Roma em novembro de 1848.

Em 9 de fevereiro de 1849, aboliu-se o poder temporal do papa e proclamou-se a República Romana. A favor do papa, organizou-se um contingente militar formado por diversas nações católicas e, em 3 de julho de 1849 era extinta a república. Em 12 de abril de 1850, o papa regressou a Roma, abolida já a efémera república. No verão de 1859, algumas cidades da Romanha insurgiram-se contra a autoridade do Papa e adoptaram a plebiscitária resolução de anexar-se ao reino de Sardenha, o que se levou a efeito em março de 1860. Nesse mesmo ano, Victor Emanuel II solicitou formalmente ao papa a entrega das regiões da Úmbria e das Marcas, o que Pio IX se recusou a fazer. As tropas sardo-piemontesas enfrentaram as do Papa, que seriam derrotadas em Castelfidardo (18 de setembro) e em Ancona (30 de setembro). A igreja viu-se despojada daquelas regiões que, em união com a Toscânia, Parma e Módena - estas por vontade própria expressa mediante plebiscitos -, se anexaram ao crescente Reino da Sardenha (novembro de 1860), que passava a denominar-se Reino de Itália. Os Estados Pontifícios ficavam definitivamente desmembrados e reduzidos à cidade de Roma e seus arredores, de onde o Papa, sob protecção das tropas francesas, seguiu na sequência o exercício da sua já diminuída autoridade civil.

O fim dos Estados Pontifícios

editar
 Ver artigo principal: Questão Romana
 
Mapa dos Estados Pontifícios: A zona a vermelho foi anexada pelo Reino de Itália em 1860, o resto (cinza) em 1870

Em 1870, estalou a guerra franco-prussiana e o imperador francês precisou de dispor de todos os efectivos militares, incluindo as unidades de guarnição em Roma. O recém-constituído Reino de Itália aliou-se à Prússia nesta contenda, pelo que contou com o beneplácito de Bismarck para actuar sem problemas contra as possessões do pontífice pró-francês. O Papa Pio IX reuniu oito mil soldados numa desesperada tentativa de resistir, mas o insuficiente exército papal não pôde conter as divisões italianas que marcharam patrioticamente sobre Roma. Em 20 de setembro de 1870, entravam em Roma, logo declarada capital do Reino de Itália, com o estabelecimento da corte do rei Victor Emanuel II no Palácio do Quirinal.

Eventos posteriores

editar

Teriam de passar 59 anos até que, em 11 de fevereiro de 1929, Pio XI e Benito Mussolini subscreveram o Tratado de Latrão (Pactos Lateranenses), em virtude do qual a Igreja reconhecia o Reino de Itália como estado soberano, e esta fazia o mesmo com a cidade do Vaticano, minúsculo território independente de 44 hectares em Roma, sob jurisdição pontifícia.

Referências

  1. História Global Brasil e Geral. Pág.: 119. Volume único. Gilberto Cotrim. ISBN 978-85-02-05256-7

Ligações externas

editar