Cultura
Por , redação de Marie Claire — de São Paulo

A escritora Tatiana Salem Levy não tem medo da dor. Mais do que isso, precisa chegar nela em suas obras literárias. “É uma forma de nomear, criar uma narrativa e dar sentido aos acontecimentos”, explica em entrevista a Marie Claire. Seu último romance, Melhor não contar (Ed. Todavia, 224 págs, R$ 69,90), percorre de forma excruciante dois traumas que formam sua identidade: o abuso sexual do padrasto, violência que foi mantida em segredo, e a morte por câncer de quem sempre foi sua maior referência, a mãe e jornalista Helena Salem, primeira mulher brasileira a atuar como correspondente de guerra.

“Doer, doi. Mas também tem uma alegria muito grande na escrita desses momentos. É uma dor junto com uma alegria intensa ao encontrar a palavra certa para contar a história”, descreve a autora de 45 anos.

Escrever sobre o sofrimento, diz ela, não é uma tentativa de curar-se.

“Não acredito na cura. Há certos eventos que você não supera. Você pode fazer alguma coisa deles, arte, viver com eles, mas não superar. Escrevi e continuei chorando e sofrendo da mesma forma.”

O que liga os dois episódios - a morte da mãe e o abuso sofrido pelo padrasto - é justamente uma separação, explica a escritora. “O assédio colocou uma espécie de muro na relação com minha mãe, que sempre foi próxima e simbiótica, de amizade e abertura. Tem toda a questão do contar ou não, que sempre se colocou para mim. Pelo fato da minha mãe estar doente, pensava que ela não teria tempo de elaborar isso, de viver outra história. Sempre imaginei que, se ela tivesse seguido mais tempo, teria contado a ela, como contei ao mundo.”

A ideia do livro surgiu enquanto Levy se debruçava sobre os diários da mãe, reencontrados após duas décadas. Refletia sobre a escrita secreta nos diários, feita para não ser lida, e tão marcadamente feminina, a relação entre mãe e filha e o luto que vivia 25 anos após a morte de Helena.

“No meu primeiro romance eu já tinha escrito sobre isso, mas era muito recente, uma ferida aberta ainda. Então quis revisitar essa morte tantos anos depois para ver o que resta dessa relação, o que de mim é ela, como a gente ainda é de alguma forma misturada e separada. A partir dessa ideia da escrita do segredo, a cena inicial da piscina ficou me cutucando. Ela me obrigou a ser escrita. Seria impossível falar sobre isso e não contar o que foi o segredo entre nós. O livro foi ganhando outra dimensão.”

A cena a qual Levy se refere é a que abre o livro: ainda menina, o corpo em desenvolvimento, tomava sol à beira da piscina, sem a parte de cima do biquíni, quando é desenhada pelo padrasto com os mamilos à mostra, eretos, marcados com força. O homem estava ali, ao lado de Helena, na beira da piscina. O primeiro desconforto que Levy sentiu na presença dele era um prenúncio do que estava por vir, o abuso.

O nome do padrasto não é revelado no livro. Sobre essa decisão, a autora afirma: “Alguns nomes não estão lá por isso mesmo, porque é um romance. E na verdade se eu escolho não colocar é uma opção minha, que eu acho que deveria ser respeitada.” Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), um dos maiores cineastas brasileiros da história, foi o namorado de Helena nesse período.

Como muitos grandes artistas, Levy carrega uma obsessão. Em todas suas obras, investiga traumas que são repassados de uma geração a outra. O tema surgiu a partir da busca por tratamentos para sintomas físicos, como enxaquecas e dores musculares. No processo de análise, passou a tentar encontrar uma narrativa para esses sofrimentos - “algo que não fosse da ordem do medicamento, da ciência, e mais da imaginação”. Foi quando começou a olhar para a história de sua família, que é judia.

“Ao serem expulsos de Portugal, na Inquisição, foram para a Turquia. Por conta da pobreza, vieram para o Brasil. Meus pais foram exilados na ditadura militar e eu nasci em Portugal. Pelas histórias de outros autores que também falam disso, fui me dando conta da questão do corpo, que revela um sintoma de outras gerações. Isso é estudado pela neurociência, pela psicanálise; traumas que não são transformados em palavras, passam à geração seguinte e aparecem como sintomas. É frequente com netos, bisnetos de quem viveu em guerras, por exemplo. A gente precisa falar para romper, cortar essa herança do trauma”, relata Levy.

A violência contra a mulher é outro tema que sempre aborda na sua literatura, desde o romance de estreia, Chave de Casa, publicado em 2007. Seu livro mais conhecido, Vista Chinesa, finalista do prêmio Jabuti em 2022, conta a história de um estupro sofrido por uma amiga da autora. E o que a faz voltar a essa questão? Em primeiro lugar, o fato de ser mulher.

“Todas nós já sofremos violências ao longo da vida - maiores ou menores. Mas eu abordava isso de forma menos consciente no começo, talvez porque naquela época não tinha esse engajamento político, das mulheres tomarem a palavra, se manifestar mais abertamente. Não era um projeto consciente como foi em Vista Chinesa e Melhor não contar, escritos nesse momento que as mulheres tomaram as ruas no mundo todo. Foi um movimento de acolhimento, estávamos começando a ser ouvidas, protegidas para falar. Sempre houve um medo muito grande de contar essas histórias.”

O livro também relata em detalhes um aborto feito por Levy em Portugal - outro tema tão íntimo quanto político, que tantos consideram “melhor não contar”. A autora, que vive em Lisboa, acompanha o debate no Brasil em torno do PL 1904, que tramita na Câmara, equiparando a pena do aborto feita após 22 semanas a do homicídio simples, e o considera "escandaloso".

“Como sabemos, muitas meninas, estupradas por familiares, só descobrem ou conseguem dizer que estão grávidas com a gravidez mais avançada - se o PL for aprovado, então essas meninas serão mais criminosas do que seus estupradores. Num certo sentido já são vistas assim, ne? A culpa é sempre nossa - se somos estupradas, se abortamos e por aí vai. Agora, tornar isso lei é a barbaridade do Estado. Eu sou a favor do aborto em qualquer caso, não apenas nesses, tão poucos, que nos querem tirar. Enquanto o aborto não for aprovado, não seremos donas do nosso próprio corpo.”

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